21/10/2013

Caminhos Sensoriais do Azeite: Andaluzia, Marrocos e Brasil


Desde que cheguei na Andaluzia para o curso de Elaiotecnia no IFAPA – Venta Del Llano, hospedado no alojamento estudantil da Universidade de Jaén, encontro-me cercado de olivais até onde minha vista alcança e além...
Como bolsista desta renomada instituição de pesquisa e formação profissional, aprofundo-me no conhecimento da produção e análise sensorial do azeite de oliva, do qual esta província é a maior produtora mundial.
Cultura fascinante e milenar, minha curiosidade para ultrapassar fronteiras cresce a cada dia em que me dedico mais ao estudo e pesquisa desse ancestral alimento.  Movido por isso e instalado a 310 km do porto de  Algeciras, de onde as embarcações partem rumo à cidade de Tanger no norte do Marrocos, lancei-me a aventura de atravessar o Estreito de Gibraltar para conhecer o quinto maior produtor de azeites do mundo.  Digo aventura, pois as informações que os espanhóis me deram a respeito da viagem eram variadas e imprecisas. 
Acompanhado do único brasileiro que está aqui realizando o curso comigo, Guajará Oliveira, olivicultor gaúcho pioneiríssimo no Brasil, pensei que iria degustar azeites de excelência e lançar meu olhar sobre paisagens exóticas, pois visitar um país árabe sempre permeou meus sonhos de viajante.
Partimos na sexta-feira de tarde, logo após o fim do curso e cinco horas depois estávamos dentro da embarcação para uma travessia de 75 km, com duração de 1 hora e meia.  Controle de passaporte feito a bordo, dirigimo-nos ao deck para apreciarmos o belo por do sol no encontro entre os dois continentes.  O fascínio ali se iniciava, se concretizava num belo instante, mas não imaginei que logo se encerrava.  Desembarque realizado, teve início aquela impressão de que todo o tempo alguém quer lhe enganar e pude experimentar a sensação que um turista desavisado chega à Cidade Maravilhosa, seja por ar, terra ou mar...  quando todo os espertos querem tirar proveito daquele que desconhece onde pisa! 
Não entrarei em detalhes sobre traslado do porto ao hotel, hospedagem e  outras  características que bem conhecemos de cidades que se caracterizam por tirar vantagem em tudo do viajante.  A diferença marroquina para o nosso Rio de Janeiro, neste quesito, é que paga-se bem menos pelo mal serviço, rouba-se com mais ingenuidade, me parece.
Gastronomicamente falando, posso dizer que comi muito bem nos lugares onde fui, ignorando as questões de higiene a olhos vistos: couscous marroquino, que obviamente não poderia deixar de experimentar, e um frango ensopado com limão siciliano em conserva de sal com especiarias, incrível!  O inesperado foram os azeites,  para mim muito ruins, por toda a parte, fermentados, rançosos, avinagrados, adocicados como eles gostam e com os quais foram habituados ancestralmente a consumir.  Tais azeites não fazem mal, dependendo do nível de oxidação e tive aqui um grande aprendizado, pois agradam a muitos consumidores e há reflexões a fazer como cozinheiro.  Tais características estão muito presentes nos “extra virgens” que circulam no Brasil, a informação a ser dada é que esses azeites não possuem os valores nutricionais que o tornam um dos maiores alimentos funcionais que temos a nossa disposição.  A educação sensorial, portanto, torna-se essencial e esse é o caminho que estamos percorrendo agora em nosso país, afim de cada um possa fazer seu discernimento.  Penso sempre nisso!
Azeites a parte, no dia seguinte a nossa chegada, deu-se o choque cultural com o qual não contava...  Homens de mãos ou braços dados, mulheres de cabeça coberta ou de burka, apenas com os olhos de fora, cafés lotados e enfumaçados apenas com homens ocupando as mesas, rindo, conversando e assistindo futebol.  Obviamente, tenho informações suficientes sobre a cultura mulçumana, mas o meu espanto foi com a mais absoluta ausência de gestos amorosos, delicados e gentis...  Tudo estranho aos meus olhos!
A arquitetura exuberante da antiga Medina, das Mesquitas e do centro histórico de Tanger evidenciam um passado de cultura rica e diversificada, mas hoje decadentes, ocidentalizadas na bestialidade do consumo desenfreado e arraigados a tradições opressoras entre os gêneros aos quais tive a mais absoluta rejeição.
Em minha reflexões, esforço-me para não fazer nenhum juízo de valor, pois dois dias e duas noites num país não são suficientes para conhecê-lo, foi apenas uma impressão sobre uma cultura oposta num sentido e semelhante em outro.
Oposta apenas na moralidade abusiva com que as mulheres são tratadas, onde a vestimenta é só um símbolo, quando em nosso país  a nudez feminina é explorada como uma burka às avessas, tornaram-se objeto e a ausência da moral e da ética é senso comum.  Os comportamentos distintos, para ambas as sociedades, são apenas a ponta de um iceberg que daria para ser descrito antropologicamente em páginas e mais páginas, uma vez que a ânsia do consumo bestial é denominador comum entre todos.
O fato é que é nosso assunto é azeite, é dele que eu tenho que falar e nesse caminho sensorial encontro surpresas inesperadas.  Agradáveis ou não, fazem parte da minha escolha, dele tiro lições e profundos aprendizados sobre a natureza humana.  E venhamos, nossas percepções organolépticas estão diretamente ligadas a forma como percebemos o mundo e de uma coisa eu tenho certeza, estamos mudando... temos que mudar... e só pode ser para melhor!





30/09/2013

Uruguai, novo membro do COI e seus novos azeites


Desde que escrevi o último artigo aqui postado, já havia escolhido o tema acima, pois, além de saber da recente inserção do Uruguai como país membro do COI no ultimo dia 20 de agosto, iniciava a seleção dos azeites uruguaios que irão compor a Carta de Azeites do Gonzalo, excelente restaurante de "Parrillas", cuja cozinha é comandada pelo querido Chef Dudu Mesquita, um dos sócios do empreendimento inspirado na gastronomia uruguaia.
Segundo menor país sul americano, depois do Suriname, com pouco mais de 3,5 milhões de habitantes, possui um clima temperado que favorece a formação de inúmeros terroirs.  Oficialmente conhecido como República Oriental do Uruguay, é um dos países mais desenvolvidos economicamente da América do Sul e o primeiro em qualidade de vida e desenvolvimento humano.  Seu presidente, José Mujica é considerado, segundo a revista Forbes, o presidente da república mais pobre do mundo.  Agricultor, foi  ministro da pecuária, agricultura e pesca, doa 90% de seu salário de U$12.500 e anda de fusca.  Pepe Mujica, assim é popularmente conhecido, faz de sua vida um exemplo do "ser político" antenado com as necessidades do novo tempo e suas atitudes deveriam ser seguidas por todos os lideres mundiais.
Como as ações das classes políticas permeiam as camadas sociais do país por elas representado, o Uruguai evidencia na qualidade de seus produtos e serviços, seu ambiente político justo, anos luz de distância do que vivemos no Brasil.
Dos vinhos aos azeites, da carne ao doce de leite, dos indicadores sociais à excelente hospitalidade, nosso país descobre o seu pequeno vizinho e temos sido destino de seus bons produtos.  
Família Deicas, DelaSierra, Lote8, Olivar Del Virrey, Punta Lobos, esses são os nomes dos excepcionais rótulos de extra virgens que chegam às nossas prateleiras e que irão compor a carta do "Gonzalo".  Com intensidades de frutado distintas, monovarietais ou blends, cada um apresenta uma nuance sensorial que irá harmonizar com as excepcionais criações do Dudu, que compõe o menu Gonzalo, das entradas às sobremesas.
Qualidade é um atributo subjetivo que pode variar pela percepção de cada um, e, segundo Ishikawa, um teórico japonês que implementou os primeiros programas de qualidade no pós guerra do Japão, ela se inicia e termina com a educação.  Para que se possa percebê-la em sua totalidade, principalmente no que concerne a gêneros alimentícios, é preciso conhecer os atributos que a caracterizam e a transmissão de tal conhecimento é um grande desafio.
Estou a bordo do avião que me leva aos olivais da Andaluzia, chego à Jaén na tarde do dia 30 de setembro, quando postarei este artigo.  Do dia 1 de outubro até o dia 31 estarei imerso no estudo da Elaiotecnia.  Do cultivo das oliveiras à extração, produção, elaboração e percepções sensoriais dos azeites e azeitonas de mesa, o quanto cada etapa e fator dessa cadeia produtiva está relacionada com a qualidade e como a percebemos.  Esses são os assuntos com os quais estarei totalmente envolvido nos próximos 35 dias.   
Assim, sobre as asas do Voo TAP 078, meu sonho e utopia tomam forma... Para além de todos os significados que a cultura da oliveira representa, ser um transmissor de todo esse conhecimento me move apaixonadamente.

Do Uruguai, Chile, Argentina, Portugal, Espanha ou Itália e até mesmo Brasil e outros países produtores, azeite extra virgem é alimento ancestral, rico em saberes e sabores, que faz do ato de cozinhar e de comer, um ato tão sagrado quanto nobre, tão rico e diverso quanto a vida que pulsa incessantemente no universo. A dimensão de tudo isso está para ser medida, mas já podemos senti-la!

Terroir Uruguaio


Gonzalo, no Leblon

31/08/2013

Rio Gastronomia, Babette & Azeites Extra Virgens


O mês de agosto, que terminou, foi sensivelmente o mais azeitado que já tivemos notícia em nossa cidade.   Do Rio Gastronomia, evento promovido anualmente pelo jornal O Globo, tivemos palestras, aulas, harmonizações e estande de degustação.  
Entre os dias 15 e 18 desse mês, o azeite "GALLO", um dos principais patrocinadores do evento, ofereceu para degustação sua linha diferenciada de quatro azeites, todos muito bons e dentre eles, um azeite de primeira colheita, com evidente frutado verde, fresco, de sabor marcante que em nada lembra aquele azeite tradicional  de nossa memória afetiva.  
A iniciativa da marca atende a uma crescente demanda do consumidor pela qualidade, cujos parâmetros que a caracterizam tem sido difundidos cada vez mais, assim como as informações sobre a diversidade de seu uso, objetivo maior de meu trabalho.

Na semana seguinte aos dias do Circuito, no dia 20 realizamos a terceira edição de "BABETTE, Comida, Diversão e Arte", projeto de Rodrigo Cotrim (COLETIVO GOURMET), que promove diálogos sensoriais entre comida e arte... Contadores de história, músicos, cantores, atores, cozinheiros, todos juntos e misturados!
Nossas percepções atentas aos aromas, sabores, histórias... De azeites, especiarias, temperos! 
Das crocâncias e altitudes do Peru, país homenageado da edição, aos sabores das lendas deliciosamente contadas e cantadas pelos  Contadores de histórias peruanos (Rosana Reátegui e Edison Mego).

Com a nobre missão de harmonizar extra virgens com as criações da Chef Ana Salles, fiz uso do brasileiro OLIVAS DO SUL, Monovarietal Arbequina e dos Uruguaios Olivar del Virrey e De la Sierra, Monovarietal Picual.  
O Peru se tornou recentemente, assim como o Brasil, um país produtor com qualidade já reconhecida, mas como não tive acesso a estes a tempo, optei por países irmãos, ambos novos produtores.  
Os *azeites extra virgens uruguaios entram mostrando qualidade, frescor e complexidade para harmonizar com os mais variados pratos e o blend Olivar del Virrey, aromatizado com limão siciliano finalizou com perfeição o pudim de aipim e coco com calda de melado e especiarias da Chef.
As emoções se azeitaram nesta noite sensorial e a comida se faz arte, a arte alimentou a alma e dali saímos regozijados.

Além desses eventos, o SENAC RIO, do qual sou docente, ofereceu atividades em algumas unidades, na qual o azeite foi protagonista e o agito, intensidade e interesse pelas ações me levaram a vários aprendizados.  A complexidade sensorial do azeite é de fato fascinante, descreve, além de sua enorme riqueza nutricional, um histórico significado, uma magia ancestral e a poesia de sua terra de origem. A transmissão desse conhecimento, que aprendi a reconhecer em aromas, sabores e untuosidades é evidentemente subjetivo, lúdico e por isso mesmo humaniza, traz paz!   
Que bom são esses caminhos... Estamos mesmo precisando!




A entrada do Circuito Rio Gastronomia

                                      
Aulas do Senac Rio no Jóquei Clube

Azeitados de Limão servidos no estande de degustação


                        Aula sobre azeite e harmonização no Circuito Rio Gastronomia