27/03/2012

Azeite e percepções sensoriais

Como todos devem saber, às segundas-feiras na Estilo Gourmet são dedicadas ao azeite e nessas noites tão especiais, sugiro experimentações com as inúmeras harmonizações que um bom azeite pode proporcionar com os pratos da culinária brasileira.  
Decorrido quase um ano em que realizamos essas incríveis experiências, posso seguramente afirmar que com o acesso aos produtos de qualidade que iniciam a chegar ao mercado do país, as possibilidades sensoriais resultantes deste casamento são elevadas a enésima potência.  Azeite com sobremesas brasileiras, com frutas tropicais, com comida de boteco, nas preparações com fritura, nos refogados, nas saladas e por aí vai.
É claro que minha intenção não é fazer com que passemos a sempre consumir frutas ou doces com azeites, mas transmitir o conhecimento sobre a grande diversidade que esta nobre e saudável gordura possui, chamando a atenção para todas as possibilidades que as harmonizações oferecem e resgatando as percepções sensoriais, elo perdido na sociedade industrializada.
Assim, as degustações constantes de azeite tem me provocado várias reflexões sobre o modo de vida que estamos empreendendo e o quanto a relação de cada um com seu alimento pode ser resgatada através desse ingrediente, elevando em muito a qualidade de vida daqueles que a experimentam.
No ano de 2009, o antropólogo biológico americano David Wrangham lançou o livro “PEGANDO FOGO – Por que cozinhar nos tornou humanos”, redesenhando a nossa compreensão sobre nós mesmos, a importância da alimentação nos processos civilizatórios e a conseqüente constituição do EU.
A teoria de que nos tornamos homens justamente porque aprendemos a cozinhar lança nova luz sobre a nossa evolução e afirma que um antepassado imediato do Homo Sapiens, o Homo Erectus, dominou o fogo e o cozimento há quase 2 milhões de anos, permitindo que tivéssemos acesso tanto a nutrientes quanto a hábitos que nos mudariam para sempre.
Segundo o autor, o momento de transição que deu origem ao gênero Homo, uma das grandes transições da história da vida, brotou do controle do fogo e do advento de refeições cozidas.  O cozimento aumentou o valor da comida, mudou nossos corpos, nosso cérebro, nosso uso do tempo e nossas vidas sociais.
Deduzo que essas transformações ocorreram justamente porque, a partir do momento em que iniciamos a cozinhar os alimentos, todas as percepções sensoriais se modificaram, mudando a partir daí a nossa própria constituição física.
Se a nossa relação com o alimento é de tamanha importância e diz respeito a nossa evolução, em que direção estamos indo, quando ignoramos literalmente a origem daquilo que comemos e não percebemos sequer os aromas, os sabores, as cores e as texturas de nosso alimento?
Vivemos um tempo de abundância e simultaneamente o de maior privação sensorial... perdemos a capacidade de olhar, de ouvir, de sentir cheiros, gostos e texturas.  Tudo passa despercebido como se isso não tivesse relação com o nosso ser, com a nossa vida, com a direção para onde caminhamos.
A velocidade da vida contemporânea suprimiu todos esses privilégios e vivemos uma vida automatizada, somatizando as angústias do novo tempo, sem nos dar conta que atitudes simples podem tudo transformar.
Proponho portanto aqui um ponto de partida, caro leitor: vamos dar um primeiro passo, prestando atenção a tudo aquilo com o qual nos alimentamos.  Pare e observe as cores, os odores, as texturas e as combinações de sabores que um prato pode lhe propiciar.  Caso tenha tempo de ir ao mercado, faça a escolha correta do alimento e prepare-o com todo amor.  Verá que sua vida irá se transformar e, ao finalizar suas preparações com extra-virgens, irá acrescentar a sua alimentação, um ingrediente ancestral, criado por deuses, que lhe dará longevidade e o grande prazer de apreciar o maior de todos os tesouros do universo: a própria vida.



08/03/2012

Um dia no campo das oliveiras - Fazenda Experimental EPAMIG - Maria da Fé/MG




Precursora na olivicultura no Brasil, a EPAMIG, instituição de pesquisa agrícola do governo de Minas Gerais, possui o primeiro Núcleo Tecnológico de Azeite e Azeitona no país em sua unidade de Maria da Fé, no sul do estado e empreende estudos que visam implementar e incrementar o cultivo da oliveira em diversas regiões brasileiras, especialmente na Serra da Mantiqueira.
No último dia 02, por ocasião da colheita da azeitona na região, foi realizado o encontro: "A CULTURA DA OLIVEIRA - Aspectos Culturais e Tecnologia para o Processamento", por mais uma valiosa iniciativa do gerente e coordenador do projeto, Sr. Nilton Caetano.
Com palestras introdutórias e uma dinâmica de campo que consistiu em visitas a 5 estações temáticas, os participantes, em sua maioria novos produtores de oliveira, tiveram a oportunidade de aprofundar seus conhecimentos nesse vasto universo, onde os temas abordados incluiram desde o plantio, anatomia vegetal e possibilidades de indução floral à tratos culturais, produção de azeites, azeitonas de mesa e uso em cosméticos. 
Foi um dia histórico!   Na máxima de Sófocles sobre a oliveira: "Árvore invencível que renasce de si mesma", encontramos um sentido filosófico que descreve com exatidão a vida dos empreendedores em nosso país.  Com a interessada participação de agricultores, pesquisadores e especialistas, evidenciou-se que essa rica cultura está se consolidando de forma definitiva por aqui e, a despeito de todos os desafios que ela própria impõe, estamos trilhando o caminho que poderá criar todas as condições para que, em um futuro próximo, o Brasil produza tudo o que a mais sábia da árvores pode propiciar ao homem.

Em 700 hectares e com 350.000 mil árvores, as pesquisas iniciadas em 1955 e retomadas apenas em 2005, quando os primeiros olivais comerciais foram implantados, apresentam agora consistentes resultados: produção de 10 toneladas de azeitona/1.000 litros de azeite em 2011 e variedades cultivadas nos seguintes percentuais:

Arbequina - 70%
Grapolo - 10%
Koreneiki - 5%
Maria da Fé - 5%
Outras - 5%

A idade média dos cultivares, nos mostra o longo caminho que temos a seguir, ao se considerar que uma oliveira em média começa a produzir seus frutos a partir do quinto ano de vida:

5% com 6 anos 
5% com 5 anos
10% com 4 anos
20% com 3 anos
40% com 2 anos
20% com 1 ano

No Brasil, por suas características climáticas, as árvores estão produzindo frutos com 4 anos de idade, o que pode nos fazer crer que a produção de azeites em um curto período de tempo será sensivelmente incrementada, se forem criadas condições para isso, ao aumentar a atual capacidade de processamento de apenas 100 kg/hora.
Quanto ao quesito qualidade sensorial, são tantas as variáveis a serem consideradas para se produzir um azeite que, de início, o que podemos afirmar é que a validade da iniciativa é proporcional ao interesse que o assunto desperta nacionalmente.  O consumo no país cresceu no ano passado 22% (64 mil toneladas importadas), segundo dados do COI (Conselho Oleico Internacional).
As perspectivas em Maria da Fé vão de encontro a esse números e para 2015 a previsão é produzir 4.000 toneladas de azeitonas/600 toneladas de azeite.  Ao se considerar que o principal quesito de um extra virgem deve ser o seu frescor, ainda que não seja um produto gourmet inicialmente, esses primeiros passos são significativos na inserção definitiva da mais saudável das gorduras na dieta do brasileiro e nos conduzirá na busca incessante pela qualidade, deixando-nos menos vulneráveis as tradicionais fraudes do setor.
O que podemos afirmar diante desse panorama é que a iniciativa mineira tem incentivado os produtores que não temem grandes desafios, influenciando inclusive o sul do país que já comercializa seus azeites nos mercados de São Paulo e Rio de Janeiro.   Para os apaixonados por azeite, todas as notícias são alvissareiras.

Os participantes em uma das estações


A variedade Arbequina

O início do processamento
O frescor do azeite