19/07/2012

Azeites Extra Virgens e o Terroir Carioca

Desde que iniciei meus estudos em azeites há pouco mais de 5 anos, tenho realizado aulas de harmonizações com a culinária brasileira que denominei "Azeites Extra Virgens - Caminhos da Harmonização".
Se há algo de fascinante nessas experiências são as infinitas possibilidades de combinação entre a variedade dos bons extra-virgens e a diversidade de nossa gastronomia, tão rica e inusitada.
Não por acaso, recentemente, mudei-me do Vidigal para o centro do cidade, mais precisamente na Lapa, bairro muito representativo do terroir carioca.  
Sempre me intrigou a péssima qualidade dos azeites servidos em nossos maravilhosos botecos e foi no histórico 17 de janeiro de 2012, no ACONCHEGO CARIOCA, em um menu especialmente sugerido pela Chef Katia Barbosa que esse panorama deu seu primeiro passo para uma definitiva mudança.  
Naquele dia, a aula inaugural do ano da ESTILO GOURMET foi entitulada AZEITES: CAMINHOS DA HARMONIZAÇÃO COM COMIDA DE BOTECO.  Com três petiscos (Deixa arder, Bolinho de mandioca com camarão e Almofadinha), um prato principal (Baião de Dois) e uma sobremesa (Coalho Frito com Calda de goiabada) harmonizados com cinco rótulos de extra virgens nos elevamos espiritualmente aos céus, ainda mais com as sugestões de cervejas artesanais do Gustavo, incomparável e conhecido garçon da casa.
Desde então, sonho que ainda chegará o dia em que os mais significativos botecos do Rio de Janeiro, assim como o ACHONCHEGO atualmente, oferecerão aos seus clientes bons extra virgens que transformarão sensorialmente as incríveis experiências gastronômicas nesses templos da boemia, da nossa comida de conforto.
O frescor de um extra virgem harmoniza-se com perfeição aos inusitados sabores dos petiscos servidos em toda a Cidade Maravilhosa.  A picância, o amargor e o frutado de um bom azeite são características que se tornarão indissociáveis ao bolinho de bacalhau, ao bolinho de feijoada, ao croquete de carne, aos incontáveis pastéis e a todos os petiscos oferecidos em nosso rico terroir, maior representação da baixa gastronomia, que tanto enriquece a alma carioca cantada em verso e prosa, do samba ao pagode e a bossa nova...
Creiam, não há combinação mais perfeita... Nem os povos do Mediterrâneo, criadores desse maravilhoso ingrediente tinham idéia de tal perfeição!

Minha pequena oliveira se mudou... seu pano de fundo não é mais o azul maravilha do Atlântico Sul, mas o branco rasgado dos Arcos, do Convento de Sta Teresa e as curvas do Pão de Açúcar.
Estou convencido de que essa pequena mudança é o início da realização desse acalentado sonho: acrescentar a nossa incomparável qualidade de vida, a poesia e história que só bons extra virgens podem contar.  Estou certo, esse casamento vai dar o que falar.




04/07/2012

Azeite Chileno, uma renovação de aroma e sabor

Foi na cidade de Granada na Andaluzia em minha viagem à Espanha no mês passado que observei na praça central um monumento representando o encontro de Cristóvão Colombo com a rainha Isabel de Castela, no momento em que este pedia permissão para cruzar o Atlântico, rumo ao Oriente, viagem que o traria à América.  Em um país que voltava a ser ocupado pelos católicos após 8 séculos de dominação moura, a cena é bastante siginificativa e um marco histórico da expedição  composta pelas três famosas embarcações (Santa Maria, Pinta e Nina) que partiram da cidade de Palos de la Frontera no dia 6 de setembro de 1492 para aportar em uma ilha das Bahamas no dia 12 de outubro do mesmo ano.  O fato marcou a história da civilização ocidental e seus desdobramentos estão fortemente presentes na cultura de ambos os continentes.
Em minha recente viagem ao Chile, ao visitar a região do Maule, maior produtora de azeites desse país, me veio a mente a imagem daquela colossal e bela escultura em bronze, representando a tão famosa cena e fiz interessantes reflexões no momento em que degustava os saborosos extra virgens dos Olivares de Quepu.
Foram os fenícios, seguidos pelos romanos e árabes que instituiram a cultura da oliveira em toda a Península Ibérica.  Segundo alguns historiadores, a região da Andaluzia abastecia o centro do Império Romano com seus azeites desde o século I a.c e, curiosamente, até os nossos dias observamos a continuidade deste comércio entre as regiões, obviamente realizado em termos mais civilizados, mas não menos ortodoxos.
No momento histórico em que Colombo aventurou-se pelo Atlântico rumo ao Oriente, Granada era palco da retomada cristã, conquista que se expandiu com as viagens marítimas e que marcou o fim do que se chamou a "Guerra da Reconquista" pelos católicos e que transformou radicalmente a cultura de toda a Península.
Entre altos e baixos a produção do famoso óleo nessa região sempre permeou as relações políticas, comerciais e sociais e após tantos séculos de cultivo, testemunhamos hoje o que eu chamaria de um renascimento da cultura do azeite, cujo desdobramento maior se dá nas regiões produtoras não tradicionais, como o Chile.
O fato é que este belo e curioso país há apenas 15 anos se aventura na produção deste tão cobiçado ingrediente e podemos considerar que o tem feito com primor, fazendo da qualidade o seu grande diferencial, favorecido por uma legislação que proibe o refino em seu território e por um terroir com características muito especiais.
1492 é a marca escolhida para os três varietais (Arbequina, Frantoio e Picual), Oromaule, ouro da região do Maule é o seu blend.  Com essas quatro variedades, os Olivares de Quepu chegaram ao  mercado brasileiro e principalmente o carioca há cinco anos com atributos sensoriais jamais conhecidos anteriormente, uma vez que desde sempre consumimos azeites de má qualidade por imposição dos principais produtores que nunca viram em nosso consumo o grau de exigência necessário que compensasse o envio de bons produtos, nem interesse que os viabilizasse.
Os ventos mudaram, Espanha, Italia, Grécia e Portugal são hoje os principais atores da crise econômica européia e detentores de mais de 80% da produção mundial de azeites.  Em busca de novos mercados, uma nova reconquista está em curso e nesta, embora não haja espaço para guerras sangrentas, mantém-se a tradição para as traições, as fraudes e as negociações escusas (elas são intrínsecas às relações humanas), mas o que direcionará o movimento é a qualidade que o consumidor saberá exigir.  O que desejo aqui ressaltar é que o momento em que nos encontramos é uma oportunidade rara de aprender a dar os passos certos na escolha do que queremos.  Para isso, ter uma referência sensorial é de suma importância e esse caminho foi aberto por um azeite hermano que agora está dando espaço ao renascimento das tradições mediterrâneas, fazendo com que o frutado, o verde, o picor e amargor de um bom extra-virgem estejam ao nosso alcance, trazendo-nos sensações únicas nas harmonizações com a gastronomia brasileira, tão rica e variada quanto os terroirs que fornecem esse óleo místico, essência e tradução da terra, elevando ao infinito nossas possibilidades para que agora recebamos de braços abertos os bons e verdadeiros azeites do Velho Mundo.