23/12/2016

Azeite, da terra à mesa... novos tempos na olivicultura!

Tendo chegado de viagem no início de dezembro, aguardei que o impacto da experiência de voar dos olivais andaluzes direto para os olivais gaúchos se consolidasse.  Minha experiência na colheita deste ano se diferenciou das anteriores, pelo pouco tempo que passei na Andaluzia e pela viagem de lá até Pelotas/RS para o 2 º Encontro Nacional da Olivicultura.  
24 horas no Rio de Janeiro para trocar de malas não foram suficientes para desacostumar meu olhar das oliveiras, mas para observar a mudança de formas, aromas e sabores pela diferença de paisagem, de povo, de cultura!  A experiência andaluza,  a experiência gaúcha, o mesmo fascínio!

Neste importante encontro setorial na Embrapa Clima Temperado em Pelotas/RS, (https://www.embrapa.br/web/mobile/eventos/-/evento/215155/ii-encontro-estadual-e-2-reuniao-tecnica-nacional-de-olivicultura falou-se do desenvolvimento da olivicultura no Brasil, da importância das pesquisas que apontam para desafios e potenciais.   Falou-se de pragas, produção integrada, das possíveis novas variedades de azeitona que poderão ser declaradas brasileiras, das  tendências de mercado e finalmente da complexidade sensorial que o azeite brasileiro tem e pode ter ainda mais.
Nesses dois ricos dias, percebi que a longeva sabedoria da oliveira tem trazido a todos grandes lições de paciência e persistência!   Assim é a vida!

Como se não bastasse tão rica diversidade aclamada, o Conselho Oleícola Internacional em seu mais recente boletim, http://www.internationaloliveoil.org/news/view/686-year-2016-news/797-market-newsletter-november-2016 reitera a informação sobre o resultado de pesquisas que demonstram que "o cultivo da oliveira tem efeitos positivos sobre o meio ambiente e a adoção de práticas agronômicas adequadas que podem aumentar a capacidade de fixação de CO2 na atmosfera, nas estruturas vegetativas permanentes e no solo.  Os cultivos lenhosos como a oliveira são particularmente eficazes em comparação com outros cultivos anuais para a captura de CO2 da atmosfera e armazená-lo como carbono na matéria orgânica.  Além disso, olivais podem ser cultivados em zonas com uma precipitação inferior a 450 mm, zonas típicas de climas mediterrâneos semiáridos que consituem o limite da distribuição de bosques e armazenam quantidades de carbono iguais ou melhores que estes últimos.
"Na atualidade", continua o boletim, "existe um consenso científico que nos permite afirmar que o balanço de carbono da oliveira é favorável e a oliveira na realidade tem um impacto positivo e faz um verdadeiro 'serviço ambiental' a sociedade."

As evidências e os debates nos mostram a ampliação e as profundas transformações na olivicultura e os novos tempos para a produção do mais importante alimento funcional que podemos obter da natureza.
Extra Virgens traduzem hoje distintos e complexos aromas e sabores, que acrescentados a outros alimentos, os potencializa proporcionalmente a sua qualidade.  O grande mundo da harmonização de azeites com os mais diversos pratos é uma grande riqueza que precisa ser descoberta por todos!

A safra 2017 mostra-se ainda mais diversa, frutados intensos, médios ou leves, verde ou maduros, azeitonas que agora começam a ser moídas... uma poesia que flui ano após ano!
Janeiro e fevereiro é a vez dos nossos lagares rangerem!
Que o futuro seja próspero como nos apontam as oliveiras, que o óleo sagrado seja farto em nossas terras e em nossas mesas!
O frescor que ora sai dos moinhos é símbolo de nossa renovação anual sagrada!
Azeitemo-nos hoje e sempre!  Feliz Ano Novo!

 Da paisagem andaluza

 À paisagem gaúcha

Pesquisas e tecnologias

Novos Azeites

21/10/2016

A safra 2016/17, a produção na China e no Brasil

As notícias chegam de toda a região do Mediterrâneo, o ataque da mosca da oliveira em distintas regiões da Itália e da Algéria, o longo período de seca em várias partes da Andaluzia, a colheita na Cisjordânia em meio às festas judaicas, quando o aumento de tensão e conflitos causam perdas tanto para colonos judeus como palestinos.   A produção do azeite no hemisfério norte teve início no mês de setembro e, embora o Conselho Oleícola Internacional tenha divulgado uma estimativa de pequena redução da safra em curso, as incertezas são inúmeras e as especulações idem.

Paralelamente a esses acontecimentos, alguns já corriqueiros, há uma série de interessantes fatos na olivicultura mundial, que evidenciam grandes investimentos para o necessário aumento da produção em novas áreas produtoras, cujos paralelos e longitudes estão muito distantes dos tradicionais.  Dentre essas áreas, cito a China e o Brasil, cujo volume de consumo e produção estão influenciando cada mais esse importante mercado.

Da China, em boletim do Conselho Oleícola Internacional (www.internationaloliveoil.org), noticia-se o espantoso crescimento da área do cultivo da oliveira em 14.000 ha ao ano, chegando atualmente a 86.000 ha cultivados, dos quais 27% já entraram em produção.  O desenvolvimento da indústria oleícola tem cumprido um importante papel socioambiental naquele país, onde 3.200 famílias vivem atualmente desta economia, que tem recuperado as bacias de dois importantes rios que percorrem as regiões de Gansu, Shannxi e Sichuan.  O volume produzido na campanha de 2015/16 chegou a 5.000 toneladas, 75% superior à campanha anterior e o volume de importação evoluiu de 4.000 toneladas em 2004/05 para 43.000 em 2013/14 e uma pequena redução no ano seguinte.

No Brasil, segundo site da Secretaria Estadual de Agricultura do Rio Grande do Sul (www.agricultura.rs.gov.br) e da EPAMIG (https://epamig.wordpress.com/2016/02/12/comeca-extracao-de-azeite-de-qualidade-nos-contrafortes-da-mantiqueira/), estima-se uma área de cultivo atual em cerca de 4.000 ha, sendo 1.700 ha no Rio Grande do Sul, 1.500 ha entre Minas Gerais e São Paulo e as demais áreas nos estados do Paraná, Santa Catarina, Rio de Janeiro e Bahia.  Não há dados específicos sobre o crescimento da área de plantio anualmente no país, mas os números mostram um vertiginoso crescimento da produção, fazendo com que os escassos litros registrados como marco da primeira  extração em fevereiro de 2008 na cidade mineira de Maria da Fé,  já estejam muito atrás das 53 toneladas na safra de 2016 e da estimativa de 100 toneladas para 2017. Soma-se a isso, o crescimento da importação de azeite no país entre 2004/5 e 2013/14, quando passamos de 0,15 litro per capita anual para 0,40 litro, com 80.000 toneladas de volume importado naquele ano agrícola.  A drástica redução de 33% na importação do ano 2015/16, foi um fato que surpreendeu a todos, tem influenciado a oscilação do preço no mercado internacional, mas está sendo considerado um ponto fora da curva, não uma tendência, mantendo o Brasil entre os cinco maiores importadores do azeite do mundo.

Do Mediterrâneo, temos o panorama com as variáveis que influenciam preços e mercado, de dois importantes e grandes países chegam as notícias de que a produção de ambos aponta sua seta para o alto, enquanto o consumo depende de mudanças culturais e econômicas que ditam a oscilação.  
Para as crises econômicas, não há muitos remédios, que não a ortodoxia capitalista reinante, mas para as mudanças culturais temos a certeza de que a transmissão do conhecimento sobre a qualidade e os benefícios desse alimento são essenciais para sua valorização.   Como azeitólogo e professor,  observo em minhas aulas e palestras que os mitos criados pela indústria do óleo vegetal refinado e hidrogenado estão muito bem enraizados, mas não possuem fundamentos acadêmicos e serão derrubados com tempo e paciência.  Não está em jogo nenhum modismo, mas a disseminação do conhecimento sobre um alimento funcional importante, cuja produção sustentável recupera ambientes naturais e traz consigo uma cultura milenar, na qual o Brasil recentemente se inseriu, e vem se tornando importante protagonista.  É hora de colher e por isso insisto: #azeitarépreciso 

A colheita na Cisjordânia

 O crescente mercado chinês

 A colheita no sul do Brasil

22/08/2016

Rio 2016, Jogos Azeitados e Novos Caminhos

Ontem se encerraram as Olimpíadas Rio 2016 e, em recente artigo  no site Olive Oil Times (http://www.oliveoiltimes.com/olive-oil-basics/olive-branch-extends-rio/52385), Wendy Logan, colunista associada, cita a importância do azeite de oliva durante os Jogos Olímpicos no Rio de Janeiro, não só pela sua inclusão em toda a alimentação na Vila dos Atletas, por seu incomparável valor nutricional, como também pelo crescente papel do Brasil como o quarto maior importador mundial do produto.  A presença dos ramos vindos da monumental e milenar oliveira de Vouves na Grécia para a premiação de algumas provas e o desenho de suas folhas como principal elemento de design nas medalhas olímpicas da Rio 2016 reitera a importância cultural desta árvore como símbolo de paz e unidade entre os povos e reforça o significado do azeite como expressão do sagrado.

As relações históricas de Brasil com Portugal, de fato, sempre nos fizeram "familiarizados" a esse alimento, incluído em algumas preparações tradicionais da nossa dieta de origem portuguesa, onde sem o uso do azeite de oliva, estas não existiriam.  No entanto, dados curiosos informam que, até o ano de 2007, o consumo per capta do brasileiro não excedia a 0,1 l ao ano, quando a média mundial era de 0,4 l.  País tradicionalmente sojicultor, o uso de óleo de sementes, por seu baixo custo de produção, sempre foi muito bem disseminado, criando-se mitos sobre o uso do azeite, com a difusão de informações equivocadas, que o excluiu de métodos de cocção, quando, comprovadamente, é o mais saudável dentre todas as gorduras vegetais.

O fato é que no ano de 2015, o Brasil importou cerca de 80 mil toneladas de azeite, elevando o consumo para 0,4 l per capita/ano e, além disso, está prestes a tornar-se um país oficialmente produtor.
As regiões sul e sudeste do país foram responsáveis pela produção de 53 toneladas, correspondente a uma ínfima parte do consumo, mas cujo potencial é exponencial e promissor, tanto em qualidade quanto em quantidade.

Encontro-me hoje na cidade de Santana do Livramento, oeste do Rio Grande do Sul, fronteira com o Uruguai, onde se iniciou o III Festival Binacional Enogastrômico, do qual participarei como azeitólogo palestrante, a convite da OLIVOPAMPA.  Nos últimos dias 19 e 20, em Porto Alegre, com o apoio da Superintendência do Ministério da Agrigultura/RS, da UFCSPA (Universidade de Ciências da Saúde de Porto Alegre), da UNISINOS e da ESTILO GOURMET, foi realizado um curso de Introdução de Análise Sensorial de Azeites, que reuniu 30 participantes, entre funcionários do MAPA, professores, pesquisadores, alunos das universidades e olivicultores do Rio Grande do Sul, no qual tive a oportunidade de compartilhar o conhecimento que venho adquirindo em minha formação na Espanha nos últimos anos e toda a experiência de docência e vivência sobre azeites nas principais áreas produtoras do mundo.

O crescente interesse sobre azeite é proporcional não só ao incremento de seu consumo e produção, mas sobretudo, acompanha a comprovação das pesquisas realizadas nos últimos anos que confirmam sua importância como o mais completo alimento funcional a nossa disposição, por sua composição em gordura monoinsaturada e concentração de antioxidantes.   

Seus aspectos sensoriais, os quais estudo profundamente, estão relacionados à presença de importantes bioativos e reconhecê-los pelos sentidos torna-nos aptos para a escolha correta do produto para o uso que desejamos.  A difusão desse conhecimento é imprescindível!  

Dos Jogos na Antiguidade à Rio 2016, da cocção à finalização, azeitar foi, é e sempre será preciso!

Olimpíadas Rio 2016 

Atletas coroados com ramos de oliveiras durastes os Jogos Rio 2016

O curso de análise sensorial na Superintendência do Ministério da Agricultura em Porto Alegre.

04/07/2016

O óleo de Palma, o Azeite de Oliva, guerras tarifárias e impactos ambientais

Em recente artigo publicado em seu blog (http://blogs.ujaen.es/jgaforio/?cat=28), Dr. José J. Gaforio, médico imunologista, professor titular da Universidade de Jaén, chefe do Departamento de Ciências da Saúde, conhecido e respeitado por suas pesquisas relacionadas ao valor nutricional do azeite de oliva, cita importantes dados sobre o consumo mundial do óleo de palma, do qual a Malásia e a Indonésia são os maiores produtores. 

Dos efeitos à saúde aos impactos ambientais gerados pela produção da gordura vegetal mais consumida no mundo, os números impressionam por serem exponenciais e reveladores.

Extraído da polpa do fruto da palmeira africana comumente chamada dendezeiro (Elaeis guineensis), estima-se que cada pessoa no mundo consome cerca de 59,3 kilos deste óleo ao ano.  Em seu artigo, Dr. Gaforio diz que o problema é que na maior parte das ocasiões, não sabemos que o estamos consumindo, pois não é especificado em rótulos e nos processos industriais de produção. 

De batatas fritas a chocolates, gorduras para confeitaria, biscoitos, roscas,  pizzas congeladas, sorvetes, gorduras para frituras industriais, manteigas de amendoim, molhos prontos para saladas, margarinas, pães industrializados, doces, pastéis, alimentos pré-preparados, em toda esta gama de produtos, o óleo de palma é utilizado em maior ou menor proporção.

Chamado no Brasil equivocadamente de azeite de dendê, pois a palavra azeite deriva do vocábulo árabe az zait (sumo da azeitona), o óleo é rico em ácidos graxos saturados, sendo 44% de ácido palmítico; as evidências científicas relacionam este à obesidade, diabetes tipo 2, doenças cardiovasculares e alguns tipos de câncer.  As recomendações médicas atuais, reitera Dr. Gaforio, são limitar o consumo de tais ácidos graxos e cita que há outros ácidos graxos muito mais saudáveis, dentre eles o ácido oléico, gordura monoinsaturada, principal componente do azeite de oliva.

Além dos surpreendentes números de consumo, o que mais chama atenção no artigo é a informação de que aproximadamente um quarto dos bosques tropicais autóctones da Indonésia desapareceram nos últimos 25 anos por deflorestação e incêndios para implantar o cultivo do dendezeiro e extrair seu óleo.  Sofrem florestas, animais e toda a biodiversidade!

De acordo com informações do site oliveoiltimes.com, recentemente em uma disputa diplomática, a França, cedendo à lobbys comerciais pesados, cancelou a sobretaxa sobre a comercialização deste óleo, que havia sido determinada pelo Senado francês em 2012, por ocasião de decisões concernentes à preservação ambiental.   A taxa a ser implementada a partir deste ano em percentuais crescentes até o ano de 2020 e que seria incrementada em cerca de 1000%, foi drasticamente reduzida e sequer dobrará até aquele ano.  O Secretário de Estado da França disse no parlamento que havia algumas incertezas concernentes a lei que focava a taxa em apenas uma gordura vegetal, mas segundo a publicação francesa Le Dauphine, a principal razão para a redução da medida foi a ameaça indonésia de cancelar a compra dos aviões militares Airbus A400M, caso a decisão fosse mantida, fato que teria forte impacto sobre a economia francesa.

Este é apenas mais um exemplo da insensatez humana, na qual o interesse econômico se sobrepõe não só à preservação ambiental, fato mais que conhecido em nossos dias, mas também à saúde de inúmeros povos que consomem cada vez mais, sem seu conhecimento ou consentimento, essa  gordura, que quando consumida sem controle, traz inúmeros danos à saúde.

Das terras do Japão, onde me encontro esses dias para estudar o idioma e a cultura deste povo, certifico o crescente consumo do azeite de oliva na alimentação japonesa, não só por sua saudabilidade, mas também por sua produção totalmente sustentável.   De sabedoria milenar e, por viver em condições ambientais extremas, o Japão privilegia a importação de alimentos sustentáveis e que comprovadamente beneficiam a saúde e vai além, o país produz há poucos anos seu próprio azeite na ilha de Sodoshima, ao sul do arquipélago.

Encontramos cada vez mais motivos para entender que a escolha de nosso alimento, para além de nossa própria saúde, tem impactos políticos, econômicos e ambientais.  Aprofundemos nossa reflexão sobre essas questões!

Escolher azeite de oliva é optar não só pela saúde e pelo ambiente, mas sobretudo, pela vida!



Dendezeiros


Oliveiras


Oliveiras no Japão


13/06/2016

A análise sensorial do azeite, um caminho necessário

No final do mês de maio, foi realizado o Curso de Formação de Chefes de Painel de Provadores de Azeite, ministrado pelo Ministério de Agricultura e Meio Ambiente da Espanha no CENCA (Centro de Capacitação), localizado no subúrbio rural de Madrid.  Junto a 40 profissionais do azeite entre espanhóis, portugueses, italianos, chilenos e tunisianos aprofundei meu conhecimento sobre as normativas internacionais para avaliação sensorial classificatória do azeites de oliva.  

Entre fórmulas complexas de matemática e estatística e programas informáticos específicos é possível se obter resultados, cujas médias definem os parâmetros sensoriais que caracterizam a qualidade deste rico e importante alimento.  Muito questionada pela grande indústria por sua subjetividade, a análise sensorial do azeite, embora prevista pela Instrução Normativa brasileira, ainda não é implementada em território nacional pela ausência de profissionais e, embora isso não resolva totalmente a questão sobre a má qualidade do produto aqui vendido, em muito poderá ajudar a pautar órgãos fiscalizadores para sancionar punições a infrações e assim proteger, ainda que parcialmente o consumidor brasileiro.

Segundo funcionário da Superintendência do Rio Grande do Sul do MAPA, o Brasil abriu processo administrativo com objetivo de obter a filiação do país ao Conselho Oleícola Internacional, órgão que reúne os principais países produtores e consumidores do mundo, regulando o comércio e a produção do azeite de oliva, através de normativas que prevêem sua análise físico-química e sensorial, ambas com fins classificatórios. O processo atualmente está em andamento no MAPA em Brasília.

A classificação do azeite entre Extravirgem, Virgem ou Lampante, este último direcionado ao refino para produção do azeite de oliva tipo puro, é feita segundo esses parâmetros internacionalmente estabelecidos, mas o mais interessante e pouco sabido é que o sumo natural da azeitona traduz em seu aroma e sabor a qualidade do fruto do qual foi extraído.  Portanto, o cuidado no cultivo, na elaboração e conservação são hoje fatores preponderantes!    

A radical mudança na forma de elaborar azeites, com o desenvolvimento de pesquisas e tecnologia a partir dos anos 90 do século passado trouxe uma grande reviravolta neste complexo e particular mundo, pois o gosto e o aroma da fruta fermentada, que aguardava dias para ser processada, tornou-se um defeito organoléptico, fazendo deste um produto de menor valor comercial.  Desta forma, o principal parâmetro sensorial para azeites que habita a memória afetiva e cultural de muitos povos é hoje um defeito que o deprecia, pois é resultado de uma fruta depreciada, incorrendo, consequentemente, em um produto depreciado.  Usando outra fruta como exemplo, é como se, por séculos, só soubéssemos apreciar o suco de laranja passada e não da fruta fresca.

A correlação existente entre os compostos bioativos presentes no azeite extravirgem e suas características sensoriais que hoje podem ser apreciadas faz com que se torne urgente e preponderante  a difusão do conhecimento sobre este novo produto; como usá-lo, como escolhê-lo, como conservá-lo e como apreciá-lo.  Seu valor nutricional é incomparável a qualquer outra gordura vegetal; os aromas e sabores únicos e diversos trazem experiências novas ao mundo gastronômico.  É preciso saber explorá-lo, pois são aventuras às quais nunca havíamos nos lançado.  Azeitemo-nos, pois!


Do cuidado no campo, a qualidade do fruto


Conhecer para difundir e apreciar


04/05/2016

Concursos internacionais de azeites e o aprimoramento da qualidade do extra virgem

Mario Solinas, Ovibeja, NYIOOC, Terraoleum, Olive Japan, Terraolivo, AVPA Paris, os principais concursos internacionais de azeite estão ocorrendo maciçamente neste período entre março e junho e, com exceção do tradicional Mario Solinas, promovido pelo Conselho Oleícola Internacional desde 1993,  a média dos demais não chegou à décima edição.   O conhecido concurso de Nova Iorque está em sua 4a edição, o que logo nos permite concluir o quão novo é o caminho que vem consolidando a qualidade do azeite extra virgem.
Espanha, Italia, Portugal e Grécia marcam a cada ano posições importantes no ranking dos melhores do mundo, mas é interessante observar que a Croácia, o Uruguai, os Estados Unidos, o Chile e até mesmo a Tunísia, o Marrocos e o Perú começam a evidenciar rótulos entre os vencedores.  O Brasil em breve conseguirá!

Dos concursos mais tradicionais, como o Mario Solinas e Ovibeja que premiam três rótulos por categoria (frutado verde intenso, médio, leve e frutado maduro) aos concursos que premiam por pontuação há a cada ano gratas surpresas que nos mostram o quanto a qualidade está se aprimorando no mundo, graças a difusão dessas competições.  Apesar de algumas críticas sobre o número de concursos se difundindo no mundo, alguns exageradamente comerciais, estou certo que chegaremos a um ponto de equilíbrio, uma vez que, indubitavelmente, é uma grande oportunidade dos produtores não só se compararem, como conhecerem o próprio produto e seu potencial de comercialização e inserção nos mercados internacionais.  É um mundo novo!

Conhecer os parâmetros sensoriais que caracterizam a qualidade de um extra virgem não é tarefa simples, pois a memória afetiva para azeites em todo o mundo consumidor, sem exceções, ainda é impregnada pela antiga característica da azeitona fermentada. Esse eram os bons azeites! Da Antiguidade até a década de 80 do século passado, azeites eram apenas extraídos e classificados de forma simples, sem análise sensorial, instituída por instrução normativa apenas no ano de 1991.  O desenvolvimento da tecnologia da extração e da colheita, permite-nos hoje elaborar azeites mais verdes ou mais maduros, de uma variedade de azeitona ou de outra, o que proporcionará características únicas a distintos azeites.  Esse trabalho humano, somado a fatores climatológicos fazem da produção do azeite extra virgem o mais excitante e intrigante desafio agrícola do início deste século e uma nova maneira de fazer arte!

Tornar-me um provador internacional, desde janeiro deste ano, quando participei da Seleção de Jaén e agora recentemente do Concurso Ovibeja 2016, realizado em abril é uma conquista importante para minha carreira como profissional, mas principalmente para a consolidação de um conhecimento que também precisa ser transmitido ao Brasil e para a formação do painel de provadores no país, tão necessária para diminuição da entrada de produtos de evidente baixa qualidade em nosso mercado.

Os concursos internacionais tem, desta forma, obtido sucesso na divulgação da cultura da qualidade do azeite.  Esse fato, por si só, tem que ser comemorado!  Azeite extra virgem é o mais importante alimento extraído da natureza, não só por seus componentes nutricionais, mas enfatizo particularmente que as pontes sensoriais criadas ao harmonizá-lo com outros alimentos é a oportunidade de resgatar o valor do ato de se alimentar, que na velocidade dos tempos modernos passou a ser mera obrigação, perdendo a poesia e o prazer que nos dá muito mais humanidade.









08/03/2016

O azeite brasileiro e a maior safra da história do país

A safra brasileira de olivas deste ano teve início nas Serras da Mantiqueira e Bocaina por volta do fim de janeiro, início de fevereiro, de acordo com as distintas altitudes e dos micro terroirs e, desde o fim de fevereiro se estendeu ao sul do país.
Embora ambas regiões tenham sofrido fenômenos climáticos indesejados durante a floração, as previsões são otimistas e prevê-se a maior safra da história do país, desde o início da extração oficial do primeiro azeite brasileiro em fevereiro de 2008.   Estimam-se cerca de 22.000 litros no sudeste (Minas e São Paulo) e 30.000 apenas no Rio Grande do Sul, o que levará a produção nacional a romper a barreira dos 50.000 litros pela primeira vez.

Recém chegado da festa de Abertura Oficial da Colheita da Oliva 2016 em Barra do Ribeiro/RS, os números falam por si só:

No Rio Grande do Sul, principal estado produtor, são 1500 hectares cultivados, 180 produtores e 11 marcas registradas.  Não há dados precisos sobre a produção em Santa Catarina e Paraná, mas incipientes extrações já estão sendo realizadas em ambos os estados.  
Nas Serras da Mantiqueira e Bocaina, onde o sul de Minas namora com o estado de São Paulo, igualmente 1500 hectares são cultivados em 71 municípios (50 em MG; 21 em SP) por 100 produtores e não há levantamento preciso sobre o número de marcas, segundo dados da ASSOLIVE (Associação dos Olivicultores dos Contrafortes da Mantiqueira).

Das variedades cultivadas por aqui, a espanhola arbequina reina com 70% da área de plantio, em seguida a célebre grega koroneiki (cerca de 10%).  O restante do cultivo é dividido entre arbosana, grappolo, manzanilla, maria da fé e novos experimentos já dão resultados com picual, coratina, galega e outras.   A grande surpresa será o resultado do mapeamento genético das oliveiras centenárias encontradas em distintas regiões do Rio Grande do Sul, que podem possuir características autóctones em sua reprodução, o que multiplicará o potencial de nosso país como produtor.

O fato é que, as máquinas extratoras, que agora chegam a mais de duas dezenas no país, estão moendo as olivas brasileiras e dos seus lagares estão saindo azeites verdes e maduros com aromas das mais distintas intensidades e complexidades.   A pouca experiência do setor ainda nos traz muitos azeites defeituosos, é verdade, mas na busca pelo bom extra virgem as lições extraídas neste curto caminho já nos dão excelentes resultados.   Com o cuidado no campo, na colheita e no  manuseio correto  dos frutos e domínio das extratoras, bem como na conservação do óleo, já temos a oportunidade de produzir muita qualidade e somos reconhecidos internacionalmente desde o ano passado, quando pudemos apresentar cinco rótulos (Olivas do Sul, Prosperato, Ouro de Santana, Olivais da Bocaina e Oliq)  no V Salão Internacional do Azeite Extra Virgem em Jaén, na Espanha.
É absolutamente fascinante!

Da combinação da natureza com o trabalho e sabedoria do ser humano, podemos extrair a seiva de todas as seivas.  Nos virtuosos aromas e sabores encontrados nos bons azeites brasileiros temos a tradução de um grande esforço junto às bençãos de nosso generoso clima.  Notas sensoriais que nos falam à alma e ao corpo, enriquecem nossa dieta e fazem-nos perceber que da oliveira, para além de seus milagrosos frutos, extraímos muitas outras lições.  Sigamos adiante, um lindo caminho está sendo pavimentado e a consolidação de nosso conhecimento não se dará sem a continuidade dos esforços empreendidos e da união de forças!

Avante Brasil!

 Olivais em Barra do Ribeiro/RS

 Olivais na Serra da Mantiqueira (divisa de Minas e São Paulo)

Prosperato, uma das importantes marcas gaúchas

 Oliq, uma das importantes marcas da Mantiqueira

19/01/2016

O início de 2016 na Espanha e a Seleção de Jaén

Mais uma vez na Espanha desde 21 de dezembro, dessa vez de férias e aproveitando para acompanhar a colheita tardia, tive a honra de ser convidado para participar do Painel de provadores do Concurso da Província de Jaén, denominada capital mundial do azeite e que há 10 anos seleciona os 8 melhores azeites extra virgens de sua comarca. 

Jaén, uma das 7 províncias da Andaluzia, possui 550.000 hectares de olivais cultivados com mais de 66 milhões de oliveiras, sendo responsável por 20% da produção mundial do azeite de oliva, mais do que o segundo maior país produtor do mundo, a Itália. 

Picual é a variedade de azeitona predominante na província que também cultiva Arbequina, Royal e Cornicabra, contando ainda com três Denominações de Origem Protegidas (D.O.P), Sierra Mágina, Sierra de Cazorla e Sierra de Segura.

Como não poderia deixar de ser, o horizonte da comarca é dominado por grandes extensões de olivais, lagares das mais diferentes capacidades, assim como as "orujerías", fábricas que beneficiam o bagaço da azeitona.  Boa parte da economia dessa localidade é gerada pelo azeite de oliva e, consequentemente, o concurso da seleção dos seus melhores azeites chama a atenção de todo o país.

Acompanhar a colheita tardia (a partir de dezembro), quando as azeitonas já estão totalmente pretas, desprendendo facilmente do pé e até mesmo caídas ao solo é uma experiência interessante para se observar como e porque os azeites produzidos neste período tem características absolutamente distintas daqueles do início da campanha.  Da azeitona madura, com processos fermentativos algumas vezes já em curso, o azeite da colheita tardia tem aromas e sabores mais delicados, adocicados e é comum percebermos notas de frutas fermentadas.  Embora estes azeites sejam considerados de qualidade inferior, pois sua concentração de antioxidantes e fenóis é menor, o que o faz mais pobre nutricionalmente, suas características organolépticas agradam grande parte da população mundial e é, de longe, a maior parte dos azeites produzidos no mundo.  Jaén, obviamente, também é grande produtora desse tipo de azeite.

Ao ser convidado pela Diputación de Jaén para fazer parte do grupo de provadores do Concurso da Seleção da Província, senti-me lisonjeado pela oportunidade de trabalhar ao lado dos principais experts em azeite de oliva da Espanha.  62 amostras foram enviadas para a edição de 2016 do concurso, cuja estréia em 2006, contara apenas com 10 rótulos.  Uma evolução que reflete o aprimoramento da elaboração do azeite e o quanto a qualidade sensorial vem sendo cada vez mais valorizada no setor.

Minha mestra, Dra. Brígida Jimenez foi a líder do painel, composto também por Juan Ramón Izquierdo, Fernando Martínez, Maria José Moyano, Juan Salas, Rafael Garcia Santos, além de Kerstin Bardhun, de Hamburgo (Alemanha) e eu.  Durante um dia inteiro, degustando cerca de 11 azeites por seção, com intervalos regulares, foram selecionados 25 finalistas, para no dia seguinte serem decididos os 7 vencedores de produção tradicional e 1 de produção orgânica.  São eles:

  • Castillo de Canena Reserva Familiar, Olivejuice
  • Oro de Bailén, Galgón 99
  • Cortijo La Torre, Aceites San Antonio
  • Bravoleum, Explotaciones Jame, Villargordo
  • Olibaeza, Cooperativa "El Alcázar"
  • Prólogo, Jaéncoop
  • Señorío de Mesia, Cooperativa San Sebastián
  • Melgarejo Ecológico, Aceites Campoliva

Pela primeira vez desde a criação do concurso, três cooperativas foram selecionadas, evidenciando o grande esforço para o aprimoramento da elaboração do azeite extra virgem.  Tem sido assim nos principais países produtores do mundo e o Brasil acompanha este movimento, tanto em sua própria produção como na educação para o consumo.

O caminho é sem volta...   É no cuidado do campo e  na colheita precoce, onde frutos verdes e saudáveis são gerados que se originam os melhores azeites.  Sua rentabilidade menor e todos os fatores requeridos para esta qualidade tornam este azeite mais caro e em menor quantidade.

Seu frutado verde e mais intenso fará toda a diferença para finalizar um prato, pois irá nos proporcionar percepções sensoriais únicas.   Sumo natural da azeitona, a conservação de seu frescor é essencial para essa apreciação e esse longo aprendizado estamos percorrendo.
Valorizar as distinções do azeite extra virgem não é ação "gourmetizadora", mas sim distingui-lo como um alimento funcional importante, um condimento único, cujo valor ultrapassa emoções, cria cultura e só nos traz bem estar.

 A azeitona da colheita madura



 A degustação

O painel de degustadores e colaboradores