30/01/2012

Novos Caminhos...



A aula inaugural da ESTILO GOURMET de 2012 foi realizada no ACONCHEGO CARIOCA, famoso e premiado botequim comandado pela Chef Katia Barbosa. 
Com um menu degustação composto por seus saborosos petiscos e pratos, a harmonização com extra virgens e a comida de boteco é o início de um percurso mais que necessário nesse momento em que o consumo de azeites no Brasil cresce mais do que nunca.
Segundo dados do COI (Conselho Oleícola Internacional), entre outubro de 2010 e setembro de 2011, a importação de azeites no Brasil cresceu na ordem de 20% e passamos a consumir 64.555 ton.  
Diante das notícias de um mercado permeado por ilegalidades, onde fraudes são denunciadas e constatadas, torna-se imprescindível que o consumidor final saiba o mínimo sobre aquilo que está escolhendo.  Ao criar o discernimento sobre o que é um bom azeite, a partir de suas próprias escolhas, nosso mercado deixará de ser destino fácil desses produtos fraudados, como tem sido até hoje.
Nesse sentido, harmonizar excelentes extra virgens com a comida com a qual nos divertimos e que nos representa como terroir é um passo da maior importância.  Nosso desconhecimento sobre o assunto é tamanho que é muito comum encontrarmos sobre as mesas dos mais renomados restaurantes e botequins cariocas, as famosas latinhas de azeites de oliva, cujo uso não é indicado para finalizações, mas sim para o preparo dos alimentos.
Não desejamos criar uma nova geração de "óleochatos", aqueles que implicarão com o garçon e exigirão um bom azeite (muito provavelmente o profissional da mesa nem saberá do que estará falando), mas poderemos solicitar ao menos que nos seja servido um extra virgem, este sim ideal para finalizar as preparações, e ao fazermos isso estaremos dando os primeiros sinais ao mercado de que há consumidores atentos. 
São tantas as nuances de aromas e sabores de um bom extra virgem que as possibilidades de harmonização com a nossa rica gastronomia de boteco é elevada ao infinito e na mesma proporção eleva a alma do comensal a lugares únicos.
De um simples bolinho de carne seca com ábobora, harmonizado com um excelente QUINTA DO BISPADO de Trás-os-Montes aos saborosos palitos de queijo com calda de goibada degustados com o chileno OROMAULE, aromatizado com siciliano, percorremos nessa noite um caminho que está dando o que falar.
Tivemos a grata surpresa do número de inscrições ser acima do esperado e teremos que repetir a aula.
Foram 25 pessoas que se deliciaram com as preparações da Kátia, finalizando todas elas com diferentes extra virgens e percebendo pelo paladar a poesia ancestral que um bom azeite recita em nossa boca quando o combinamos com uma boa comida.
Dessa forma, a ESTILO GOURMET iniciou o ano pretendendo se aprofundar cada vez mais nesse caminho.  Sem vínculos comerciais que impediriam de apresentar imparcialmente as marcas de excelência, as escolhas dos rótulos são feitas com o critério de quem conhece e que deseja transmitir ao maior número de pessoas possível a magia que o azeite pode proporcionar a nossa dieta.
Como alimento ancestral, presente na civilização humana há mais de 8.000 anos, percebemos que o caminho para a descoberta de seu uso não tem fim, mas já está mais do que assegurado que os benefícios para a saúde e para a alma são incomparáveis.

A Chef Katia Barbosa e eu
                                     

18/01/2012

Novos Tempos, Velhos Hábitos...


No dia 2 de dezembro de 2011, escrevi um artigo aqui no blog intitulado VIRGINDADE EXTRA sobre um livro publicado nos EUA, cujo conteúdo aborda as inúmeras fraudes no mercado americano de azeite, que movimenta atualmente U$ 1,5 bilhão por ano.
Pois bem, no último dia 23 de dezembro, no cotidiano “La República” o jornalista e escritor italiano Paolo Berizzi assina uma matéria de duas páginas sobre a fraude no comércio dos extras virgens italianos e descreve, sem citar nomes, um poderoso e milionário esquema protagonizado por grandes empresários da indústria do azeite, que se inicia com a importação do óleo a 25 centavos de euro o quilo, de diversas procedências (Espanha, Grécia, Marrocos, Tunísia) para misturá-lo, desodorizá-lo, engarrafá-lo e vendê-lo com nova e falsa identidade por um valor que varia entre 2 a 4 euros/quilo como puro Extra Vergine Italiano, distribuído na Itália e igualmente exportado.
Publicada em um dos jornais de maior circulação na Itália, a reportagem continua sua denúncia relatando a formação de cartel: um grupo de grandes empresas, produtores e distribuidores aliados em nome da especulação fundada sobre uma refinada fraude comercial, sobre o engano doloso do consumidor, criando um ‘sistema’ que está acumulando grandes benefícios comerciais já nomeado como a “agromáfia” italiana.
Em minha viagem aquele país nos idos de 2008, quando ainda pouco conhecia as inúmeras emoções que o azeite pode proporcionar, estranhei que ao visitar a sede de uma conhecida indústria, grande exportadora para o Brasil, não encontrei nenhum pedaço de terra com sequer uma única oliveira e ali fotografei frustrado grandes silos de armazenagem, onde são feitas as misturas com características específicas.   
Nada de ilegal, minha frustração derivou-se do fato de não encontrar um enorme olival próximo, conforme minhas romantizadas expectativas.  Estava sendo apresentado a uma das maiores empresas italianas engarrafadoras de azeites, punto e basta.  Aprendi naquele momento que a qualidade de um bom azeite é gerada em pequenas propriedades, que cuidam de sua produção artesanalmente e produzem quantidades pouco industriais para vendê-las com sua própria marca e tive o enorme prazer de conhecer alguma delas, inclusive me hospedando em uma.  Surpreso fiquei agora ao saber que ali eu testemunhava uma provável fraude alimentícia, conforme denuncia a reportagem que relata o processo de transformação, por vaporização, a qual é submetido o óleo importado para a retirada de seus defeitos.
Diante de tais informações, fica a reflexão sobre as ações que nós consumidores no Brasil podemos tomar, uma vez que importamos 99,9% do azeite que consumimos e somos destino certo para esses produtos.  Por possuir pouca ou nenhuma tradição no consumo de azeites de qualidade, somos presas fáceis desses negócios escusos, pela total ausência de referências sensoriais.  Por décadas sempre recebemos os piores azeites e nossa memória afetiva para esse óleo foi constituída de forma tão equivocada que há grande resistência em se estabelecer os novos parâmetros que os azeites de qualidade portam e esse é o ponto nevrálgico da discussão que devemos estabelecer a partir desses fatos.
Na maior crise econômica enfrentada pela comunidade européia no últimos anos, os principais atores que a protagonizam detém 70% da produção  mundial de azeites (Espanha, Itália, Grécia e Portugal) e a procura de novos mercados se faz urgente e necessária, sendo o Brasil o destino principal dessa busca, onde o consumo cresce na ordem de 20% ao ano.  Muito recentemente, portanto, temos a oportunidade de encontrar no mercado brasileiro alguns bons e verdadeiros azeites, mas como reconhecê-los?
Não há outra escolha senão iniciar a construção de nosso próprio caminho.  A diversidade e riqueza da gastronomia brasileira são proporcionais a enorme variedade de aromas e sabores que os bons e legítimos azeites extra virgens possuem, criando uma infinidade de possibilidades de uso, adequando-os e harmonizando-os para agregar às nossas preparações não só percepções sensoriais únicas, mas sobretudo um enorme valor nutricional.
O que desejo, prezado leitor, é ajudá-lo a ser conduzido por esse inebriante caminho, criando em cada um o seu próprio discernimento.  O conhecimento que nos impedirá de fazer a escolha errada só se acumula pela experiência sensorial, pela quebra de paradigmas e, como a vida requer, paciência, persistência e a infinita disposição de conhecer o novo.

05/01/2012

Azeite, Poesia, 2012...


O final de ano atribulado me impediu de dar regularidade as minhas postagens... o tempo não pede licença e como a palavra não pode medi-lo, muitas vezes pensei em comê-lo.  Seria uma maneira de senti-lo passar, saboreando-o com o ritmo que decido e curiosamente palavras sem medidas me chegam.   
Passei o Natal em São Paulo e em visita a livrarias comprei "A POESIA É PARA SE COMER" da pesquisadora portuguesa Ana Vidal.
Após devorar muitas das poesias ali compiladas, percebi, em minhas tentativas como domador de palavras, o quanto o azeite me inspira.  
Há algum tempo a constante percepção sensorial dos azeites que degusto parecem me contar uma história com versos ritmados que insinuam todas as nuances aromáticas que minh'alma necessita. 
Memórias de um tempo em que eu voava e não o tempo, onde sem pressa, cultuava o prazer de comer pelo mundo olhando tudo com a sede imensa de uma vida pela frente, para sorvê-la por inteiro. 
Assim, decidi iniciar minhas postagens em 2012 com palavras azeitadas para que o pensamento livre as aromatize e a emoção as deguste. 
Como o azeite, a palavra purifica, limpa, cura, aromatiza, tempera, lubrifica, ilumina, aquece, protege, unge, benze... 
Como a palavra, o azeite, seduz, inspira, propicia o amor, encontros, diálogos, prosperidade, conta uma história, sela a paz... 
Não há maior prazer do que encontrar algo novo em cada gota da vida sorvida em azeites. 
Como Ana Vidal na introdução de seu maravilhoso livro, encerro com um Parágrafo dos Estatutos do Homem do poeta Thiago de Melo, escrito em Santiago do Chile em 1964:

Fica decretado que os homens
estão livres do jugo da mentira.
Nunca mais será preciso usar
a couraça do silêncio
nem a  armadura das palavras.
O homem se sentará à mesa
com seu olhar limpo
porque a verdade passará a ser servida
antes da sobremesa.