Desde que cheguei na Andaluzia para o curso
de Elaiotecnia no IFAPA – Venta Del Llano, hospedado no alojamento estudantil
da Universidade de Jaén, encontro-me cercado de olivais até onde minha vista
alcança e além...
Como bolsista desta renomada instituição de
pesquisa e formação profissional, aprofundo-me no conhecimento da produção e
análise sensorial do azeite de oliva, do qual esta província é a maior produtora
mundial.
Cultura fascinante e milenar, minha
curiosidade para ultrapassar fronteiras cresce a cada dia em que me dedico mais
ao estudo e pesquisa desse ancestral alimento.
Movido por isso e instalado a 310 km do porto de Algeciras, de onde as embarcações partem rumo
à cidade de Tanger no norte do Marrocos, lancei-me a aventura de atravessar o
Estreito de Gibraltar para conhecer o quinto maior produtor de azeites do
mundo. Digo aventura, pois as
informações que os espanhóis me deram a respeito da viagem eram variadas e
imprecisas.
Acompanhado do único brasileiro que está
aqui realizando o curso comigo, Guajará Oliveira, olivicultor gaúcho
pioneiríssimo no Brasil, pensei que iria degustar azeites de excelência e
lançar meu olhar sobre paisagens exóticas, pois visitar um país árabe sempre
permeou meus sonhos de viajante.
Partimos na sexta-feira de tarde, logo após
o fim do curso e cinco horas depois estávamos dentro da embarcação para uma
travessia de 75 km, com duração de 1 hora e meia. Controle de passaporte feito a bordo,
dirigimo-nos ao deck para apreciarmos o belo por do sol no encontro entre os
dois continentes. O fascínio ali se
iniciava, se concretizava num belo instante, mas não imaginei que logo se
encerrava. Desembarque realizado, teve
início aquela impressão de que todo o tempo alguém quer lhe enganar e pude
experimentar a sensação que um turista desavisado chega à Cidade Maravilhosa,
seja por ar, terra ou mar... quando todo
os espertos querem tirar proveito daquele que desconhece onde pisa!
Não entrarei em detalhes sobre traslado do
porto ao hotel, hospedagem e outras características que bem conhecemos de cidades
que se caracterizam por tirar vantagem em tudo do viajante. A diferença marroquina para o nosso Rio de
Janeiro, neste quesito, é que paga-se bem menos pelo mal serviço, rouba-se com
mais ingenuidade, me parece.
Gastronomicamente falando, posso dizer que
comi muito bem nos lugares onde fui, ignorando as questões de higiene a olhos
vistos: couscous marroquino, que obviamente não poderia deixar de experimentar,
e um frango ensopado com limão siciliano em conserva de sal com especiarias,
incrível! O inesperado foram os azeites, para mim muito ruins, por toda a parte,
fermentados, rançosos, avinagrados, adocicados como eles gostam e com os quais
foram habituados ancestralmente a consumir.
Tais azeites não fazem mal, dependendo do nível de oxidação e tive aqui
um grande aprendizado, pois agradam a muitos consumidores e há reflexões a
fazer como cozinheiro. Tais
características estão muito presentes nos “extra virgens” que circulam no Brasil,
a informação a ser dada é que esses azeites não possuem os valores nutricionais
que o tornam um dos maiores alimentos funcionais que temos a nossa
disposição. A educação sensorial,
portanto, torna-se essencial e esse é o caminho que estamos percorrendo agora
em nosso país, afim de cada um possa fazer seu discernimento. Penso sempre nisso!
Azeites a parte, no dia seguinte a nossa
chegada, deu-se o choque cultural com o qual não contava... Homens de mãos ou braços dados, mulheres de
cabeça coberta ou de burka, apenas com os olhos de fora, cafés lotados e
enfumaçados apenas com homens ocupando as mesas, rindo, conversando e
assistindo futebol. Obviamente, tenho
informações suficientes sobre a cultura mulçumana, mas o meu espanto foi com a
mais absoluta ausência de gestos amorosos, delicados e gentis... Tudo estranho aos meus olhos!
A arquitetura exuberante da antiga Medina,
das Mesquitas e do centro histórico de Tanger evidenciam um passado de cultura
rica e diversificada, mas hoje decadentes, ocidentalizadas na bestialidade do
consumo desenfreado e arraigados a tradições opressoras entre os gêneros aos
quais tive a mais absoluta rejeição.
Em minha reflexões, esforço-me para não
fazer nenhum juízo de valor, pois dois dias e duas noites num país não são
suficientes para conhecê-lo, foi apenas uma impressão sobre uma cultura oposta
num sentido e semelhante em outro.
Oposta apenas na moralidade abusiva com que
as mulheres são tratadas, onde a vestimenta é só um símbolo, quando em nosso
país a nudez feminina é explorada como
uma burka às avessas, tornaram-se objeto e a ausência da moral e da ética é
senso comum. Os comportamentos
distintos, para ambas as sociedades, são apenas a ponta de um iceberg que daria
para ser descrito antropologicamente em páginas e mais páginas, uma vez que a
ânsia do consumo bestial é denominador comum entre todos.
O fato é que é nosso assunto é azeite, é
dele que eu tenho que falar e nesse caminho sensorial encontro surpresas
inesperadas. Agradáveis ou não, fazem
parte da minha escolha, dele tiro lições e profundos aprendizados sobre a
natureza humana. E venhamos, nossas
percepções organolépticas estão diretamente ligadas a forma como percebemos o
mundo e de uma coisa eu tenho certeza, estamos mudando... temos que mudar... e
só pode ser para melhor!