Apaixonado por azeites, orgulhoso de ser carioca e de viver na cidade mais linda do planeta, em um entardecer de inverno nas pedras do Arpoador tive a impressão de que a sinuosidade das montanhas que cercam o Rio de Janeiro e suas belas praias representam uma harmonia lúdica semelhante às novas percepções sensoriais que os bons extra virgens trazem, quando combinados com a nossa rica culinária.
A recente morte de Oscar Niemeyer, mestre dos traços arquitetônicos que tão bem representam essa geografia única, me trouxe novamente à mente essa ocasional analogia e, tendo recém chegado de minha viagem a Andaluzia, as impressões se multiplicaram.
Traduzir em formas arquiteturais o que a natureza constroi há milhões de anos equivale a um desafio incomparável, pois muito além dos traços, há as emoções e a diversidade da cultura humana que influenciam a obra. Ao deitar o olhar sobre a paisagem carioca e sua tradução criada pelo mestre, encontro uma harmonia sedutora que pode ser plenamente representada pela diversidade dos novos aromas e sabores que os azeites trazem às preparações brasileiras: sinuosidade, delicadeza, elegância, algo de inédito e incomparável...
Embarquei para Lisboa há dois dias, dando continuidade à minha viagem de pesquisa ao mundo sensorial dos extra virgens e encontro-me na bela capital portuguesa por alguns dias, antes de seguir para Mirandela, uma pequena cidade em Trás-os-Montes, conhecida pela produção agrícola de excelência e de onde se extraem os melhores azeites do país.
A impressão análoga à obra de Niemeyer não me sai da mente desde sua partida, quando tive um grande desejo de homenageá-lo.
Hoje esforço-me para expressar tais emoções em palavras e nada mais inspirador do que fazê-lo após uma visita a Fundação José Saramago, na Casa dos Bicos, construção do século XVI que, desde junho de 2012 reúne a obra desse grande escritor, falecido em 2010.
Nesta noite mágica e emocionante, tive a oportunidade de assistir a um recital com a leitura de poemas de sua autoria e também de Vinicius de Moraes e Fernando Pessoa, pela voz do ator brasileiro Alexandre Borges.
Há quem possa me chamar de obsessivo, mas em vários momentos, vinham-me à mente aromas do frescor dos bons azeites e, com a licença poética do grande escritor, penso que minhas idéias atuais são como uma gaiola em terra em que aves não há, quando nada pode ser aprisionado.
Na sala onde ocorreu o recital, havia frases de Saramago escritas por toda a parte e uma delas me chamou mais a atenção:
"ESTAMOS NUM TEMPO A QUE CHAMAMOS DE PENSAMENTO ÚNICO, EMBORA PAREÇA QUE SE APROXIMA MUITO PERIGOSAMENTE DE UM PENSAMENTO ZERO."
Estamos num tempo em que aromas e sabores são planos, sintetizados pela indústria e aproxima-se muito perigosamente o dia em que não mais os sentiremos.
É assim que entre a sinuosidade da obra de Niemeyer e a densidade das palavras de Saramago, encontro as nuances e a diversidade que se assemelham aos extra virgens.
É assim que entre a sinuosidade da obra de Niemeyer e a densidade das palavras de Saramago, encontro as nuances e a diversidade que se assemelham aos extra virgens.
A caminho do norte de Portugal, os dias de férias em Lisboa com minha amada irmã Cristina e nossa amiga Wanda me parecem mais que providenciais... a capital portuguesa é inspiradora, poética, transpira história, nostalgia e ancestralidade.
Dessa forma sigo o meu caminho, entre as pedras encontro as flores e, assim como as oliveiras, da adversidade e aridez do solo, extraio a essência que me traduz.
O mestre da harmonia das formas
Eu e Wanda entre a Fundação e a oliveira na qual as cinzas de Saramago foram depositadas
Alexandre Borges recita Vinicius, Saramago e Pessoa.
Uma noite inesquecível em Lisboa.
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